segunda-feira, março 3

são frésias, senhor

o ano passado, por causa de um poema de josé tolentino mendonça, plantei frésias. nunca as tinhas visto e nem sentido o cheiro. este ano brotaram. cheiram a chá, como já tinha aprendido aprioristicamente no poema de josé tolentino mendonça.







Frésias


Frésias são flores com cheiro a chá
e ela, aos trinta e sete anos, preferia-as
às flores que se vendem por aí
admitia a beleza mas não o esplendor
porque são tristes as repetições
num instante se tornam saberes
e ela, aos trinta e sete anos,
prezava apenas os segredos que mesmo ditos
permanecem como segredos

(em certas épocas, por alguma porta esquecida
escapava-se, sonâmbula, para o pátio
que dá acesso à mata
e, por vezes, iam buscá-la
gritando o seu nome ou com a ajuda dos cães
já muito longe de casa

tinha por hábito acender fogueiras
de que, depois, se esquecia
e por isso também os aldeões
a temiam)

nunca compreendeu a natureza da vida doméstica
intensa e aflita criança
incapaz de certezas

o que de mais belo soube
sempre o disse, de repente,
a alguém que não conhecia

José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio e Alvim, p.21-22



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