quarta-feira, fevereiro 13

Os Prazeres da Leitura

Os Prazeres da Leitura

No seu leito de moribundo o meu pai lê
As memórias de Casanova.
Eu vejo a noite cair,
Algumas janelas que se iluminam na rua.
Numa delas uma jovem lê
Junto ao vidro.
Há muito tempo que não ergue os olhos,
Mesmo com a escuridão a chegar.

Enquanto há ainda um resto de luz,
desejo que ela levante a cabeça,
E eu consiga ver-lhe a cara
Que já consigo imaginar,
Mas o livro deve ser intrigante.
Além disso, que silêncio,
Cada vez que volta uma página,
Consigo ouvir o meu pai, que também volta uma,
Como se eles lessem o mesmo livro.

*

Le Beau-Monde

O homem subiu para falar de Marcel Proust,
«O grande escritor francês»,
Para um caixote que era famoso pelos discursos
Sobre patrões desonestos e trabalharores pobres.

Eu juro (Tony Russo é minha testemnunha).
Era já noite dentro, a multidão ia diminuindo,
Mas logo todos regressaram
Para ver sobre que era aquela lengalenga.

Ele parecia uma das máquinas de lavar louça
De uma das espeluncas da Avenida B.
Ele roía as unhas enquanto falava.
Dizia isto e aquilo, devia ser em francês.

Toda a gente se empertigou, até os b~ebados.
Os valentões deixaram de exercitar os músculos.
Era como estar na igreja
Quando a Missa Cantada era dita em latim.

Ninguém entendia, mas todos ficavam alegres.
Quando acabou, foi-se embora, de vez,
Com passadas largas numa grande pressa.
Os restantes atardarm-se a dispersar.



Charles Simic, tradução de José Alberto Oliveira, Previsão de Tempo para Utopia e Arredores, Assírio e Alvim

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