quinta-feira, fevereiro 7

improviso embriagado



Como se encontraram?Por acaso, como toda a gente. Como se chamavam?Que interessa?Donde vinham?Acaso se sabe para onde se vai? Que diziam? O amo não dizia nada e Jacques dizia que tudo o que nos acontece de bom e de mau aqui em baixo estava escrito lá em cima.

Diderot, Jacques, O Fatalista












Lembro-me da minha primeira leitura de Jacques O Fatalista; encantado com essa riqueza audaciosamente heteróclita onde a reflexão anda paredes-meias com a anedota, onde uma narrativa é a moldura de outra, encantado com essa liberdade de composição que se ri da regra da unidade de acção, perguntava-me: essa desordem soberba será devida a uma construção admirável, requintadamente calculada, ou dever-se-á antes à euforia de um puro improviso?Sem a menor dúvida, é o improviso o que aqui prevalece; mas a questão que, espontaneamente, eu me pusera fez-me compreender que há uma prodigiosa possibilidade arquitectónica contida nesse improviso embriagado, a possibilidade de uma construção complexa, rica, e que, ao mesmo tempo, seria perfeitamente calculada, medida e premeditada como o é necessariamente premeditada até mesmo a mais exuberante fantasia arquitectónica de uma catedral.

Milan Kundera, Os Testamentos Traídos, p. 23

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